Wednesday, April 14, 2021

Um mal-entendido lamentável a respeito de GURPS

A imensa maioria dos outros RPGs é lida com a expectativa de que se "deve" conhecer "todas as opções" antes de começar a narrar. Isso não funciona com GURPS, nem deveria. Ele simplesmente não foi feito com esse tipo de proposta ou de mentalidade.

GURPS é tão detalhado quanto o narrador quiser que seja, com um grau de liberdade de sintonia fina que muitos outros sistemas simplesmente não estão preparados para oferecer.

A desvantagem é que se você não está prevenido e vem com a expectativa de que deveria "conhecer tudo" fica sim sobrecarregado.

Sobre o equilíbrio dinâmico que a atividade de narrar RPG demanda

Existe é uma habilidade essencial para narrar (não só em GURPS, mas definitivamente também no GURPS) que nem sempre é enfatizada como deveria: a de equilibrar os vários aspectos da experiência da sessão de RPG.

  • Imersão (diálogo dentro do personagem, exposição de elementos da história em si)
  • Ritmo (frequência com que acontecem situações novas que tragam a sensação de que algo significativo está acontecendo)
  • Aprendizado (aprender regras novas com moderação pode sim ser uma experiência boa, mesmo durante a sessão)
  • Descompressão (muitas das melhores sessões de RPG tem espaço considerável para simplesmente falar bobagem, mesmo que a rigor seja em detrimento de outras qualidades de uma boa sessão)

Não há uma combinação mágica. Cada grupo e cada momento pede ênfases variadas. Mas um narrador menos experiente pode ter dificuldade em perceber o que cabe para o momento e se ajustar de acordo.

Sunday, July 26, 2020

Sobre a nobre, ingrata e necessária arte de ser rude

Existe aqui em Curitiba a assim chamada "Boca Maldita", um espaço aberto com tradição desde 1956 de servir de espaço para críticas sem restrição. Foi uma região com certo destaque, por exemplo, na época da campanha pelas Diretas Já na década de 1980.

Era uma proposta ousada, talvez além do seu tempo, e em alguns sentidos prenunciava certos espaços atuais na Internet, principalmente em redes sociais e certos órgãos de imprensa. Isso porque há uma tensão inerente na proposta. Um espaço reservado e publicamente anunciado para a finalidade de expressar críticas livremente sempre será, na melhor das hipóteses, um exercício ativo de desenvolvimento da capacidade de ouvir.

Isso porque, naturalmente, o que se fala tem consequências, até mesmo quando ninguém dá ouvidos. O próprio ritual de escolher um conteúdo e verbalizá-lo para outra pessoa faz com que esse conteúdo nos pareça de alguma forma respeitável e digno de expressão, mesmo quando não o é.

Vemos um fenômeno muito similar na Internet. A ampla disponibilidade de espaços com as mais variadas características de privacidade, publicidade, monitoramento e linguagem tornou possível e talvez necessária a existência de uma variedade quase caótica de rituais e expectativas. Sendo, como é, um atribuidor de significados, o ser humano empresta a espaços neutros significados e intenções mesmo quando elas realmente não cabem, com resultados em todo o espectro do trágico ao hilário.

Vejamos um exemplo. J.K. Rowling é a autora dos livros de Harry Potter. É uma pessoa que se tornou mundialmente conhecida por expressar um conteúdo de fantasia e que comenta assuntos vários na Internet, como tantos outros de nós o fazem. Publicou seu primeiro livro em 1997, e concluiu a série original de histórias de Harry Potter em 2007. Talvez por ter alcançado um público amplo e apresentar um assunto tão próximo da expressão de fantasias secretas, tornou-se rapidamente uma pessoa muito ouvida e influente, apesar de rigorosamente falando não haver um motivo claro para sê-lo.

Muito recentemente ela postou comentários no Twitter que foram entendidos (justamente ou não) como sendo críticas de algum tipo às pessoas transgênero. Alguns se desapontaram ou ficaram magoados, outros acharam necessário contestá-la publicamente.

Pessoalmente penso que ela estava errada, mas também penso que cabe manter as coisas em perspectiva. Rowling não estava anunciando uma política a ser adotada, não estava declarando uma regra a ser seguida, não estava nem mesmo pedindo que concordassem com ela. Estava emitindo uma opinião, expressando uma percepção dela, e essa percepção se mostrou incômoda e impalatável para muitos.

O que cabe em uma situação como essa? Rowling deveria ter ficado calada? Deveria ter tido e expressado outra opinião? Quais são exatamente os graus adequados de liberdade e responsabilidade de expressão dela, e em que se sustentam?

Quais são as responsabilidades dos fãs de Rowling e do público em geral? É possível e cabível simplesmente discordar dela? Essa discordância pode ou deve ser silenciosa? É adequado e/ou necessário responder a ela? Com quais graus de publicidade, ênfase e gentileza?

São muitas perguntas, e as respostas não são particularmente óbvias, nem tem por que ser simples. Cada público e até mesmo pessoa terá expectativas e vulnerabilidades diferentes.

Queiramos ou não admitir, estamos em um mundo complicado, em que não há atitudes universalmente aceitáveis e confiavalmente seguras. É uma constatação amarga, que nos nega a esperança de ter uma vida inocente e tranquila. Sempre podemos vir a magoar alguém, e sempre estamos sujeitos a não entender como ou por que isso aconteceu. A colocação de Rowling não foi correta, mas era o que seria esperado poucas décadas atrás, na época em que ela consolidou sua personalidade e valores. Não é particularmente rara hoje tampouco; a única particularidade é que foi expressa por uma pessoa muito pública e que era amplamente percebida como tendo opiniões inovadoras e liberais, pelo menos em um certo tipo de assuntos.

Penso que devemos reservar para as pessoas que estimamos o direito de dar passos em falso, e contrabalançá-lo reservando para nós próprios tanto o direito quanto o dever de perceber e sinalizar esses passos em falso. Esperar que outras pessoas reais, de carne e osso, sejam de alguma forma referenciais infalíveis de algum tipo de virtude abstrada não é muito realista, e provavelmente não é muito generoso para com essas pessoas tampouco. Todos nós cometemos erros e podemos nos beneficiar da possibilidade de aprender com eles, em vez de ser simplesmente hostilizados por tê-los cometido.

Esse foi só um exemplo. A arte de lidar com expectativas de decisões simples em um mundo cada vez mais complicado é delicada. Hoje especificamente estamos falando muito de algo chamado "cancelamento", um conceito novo que envolve repudiar, ignorar ou mesmo hostilizar diretamente pessoas influentes. É uma atitude que me parece um tanto instintiva e ingênua, e que pode ter sido um fator significativo na radicalização política que levou à infeliz eleição do Bolsonaro em 2018.

Há quem atribua a eleição do Bolsonaro ao PT. Não é um raciocínio que me pareça claro ou convincente; não cabe a nenhum político ou partido político se sentir responsável pelo grau de consciência dos eleitores que já decidiram que não vão apoiá-lo. Cabe aos próprios eleitores que votam em um candidato, e não aos opositores desse candidato, se sentir responsáveis pela influência que esse candidato venha a obter. Nesse sentido, o eleitorado brasileiro traiu covardemente a si próprio em 2018. É um fato grave, imoral, profundamente desonroso, que eu não espero conseguir perdoar durante o meu tempo de vida restante e não pretendo gastar muito tempo restante. Eleitores que não valorizam seu próprio voto não deveriam usá-lo, deveriam abrir espaço para quem se importa sim com as consequências das eleições.

Mas não parece ser essa a auto-imagem que os trinta por cento que ainda hoje apóiam o Capitão desesquilibrado tem de si mesmos. Eles, como seu candidato, são pessoas que sonham com um mundo de decisões fáceis e situações simples. Muitas parecem acreditar que se forem consistentes em sua vontade de desprezar e insultar os fatos objetivos, as opiniões discordantes e até mesmo a complexidade real da existência acabarão por conquistar um certo grau de respeitabilidade por, suponho, terem sido genuinamente teimosas e infantilizadas.

Lamento, povo. Não funciona assim. Às vezes o que parece ser teimosia estúpida e infantil realmente é teimosia estúpida e infantil. Criem juízo e parem de ter essa expectativa arrogante de que outros lhes devem o respeito que vocês não tem por si mesmos. A existência não é o seu parquinho de quintal onde vocês podem construir castelos de areia, ficar emburrados, e voltar para casa para repetir o ritual no dia seguinte. Se não querem ser adultos, não esperem ser tratados como tal.

Tuesday, June 30, 2020

Uma sugestão de roteiro para "pacificar" PDFs problemáticos.

Arquivos PDF são atualmente um formato popular para a disponibilização de documentos em mídia digital.

Esse formato foi criado pela Adobe com o objetivo de garantir que documentos impressos em folhas de papel pudessem ser reproduzidos de forma consistente e bem controlada. Mas por motivos históricos o seu uso se difundiu muito, muito além desse uso inicial.

Hoje em dia existem várias versões e formatos secundários derivados do PDF. Um deles é o PDF/A, que ganhou importância em anos recentes ao ser favorecido para certos tipos de uso junto a órgãos governamentais.

Uma transição apressada

Documentos digitais e documentos físicos (em papel) são dois tipos bastante diferentes de entidades, com necessidades, vantagens e deficiências muito diferentes. A ampla adoção do formato PDF e de suas variantes deve-se principalmente à sua popularidade e base instalada; o formato era bem conhecido pelo público em geral e muitos já sabiam lidar com ele em certa medida, não precisando portanto ser apresentados a um novo formato e treinados no seu uso.

Formatos melhor concebidos para documentos puramente digitais de fato existem, e apresentam vantagens técnicas enormes para esse uso quando comparados a todo o espectro do formato PDF e suas variantes. Formatos como XML, XHTML, HTML 5, ePUB 3. Formatos que não foram feitos pensando especificamente na impressão em papel, e por isso tiveram espaço para desenvolver a contento vantagens e recursos que estão fora do alcance do PDF.

No entanto, ainda temos talvez dez ou mesmo vinte anos antes que algum ou vários desses formatos (ou seus sucessores) se tornem amplamente difundido junto ao público em geral. Até lá, ainda temos alguns anos de uso do PDF para documentos digitalizados ou verdadeiramente digitais, mesmo que os motivos sejam mais próximos do pragmatismo realista (e resignado) do que da eficiência produtiva.

Problemas com PDFs e como lidar com eles

A preocupação mais frequente com PDFs que se mostram de alguma forma problemáticos costuma ser o tamanho do arquivo (em Kbytes). Existem outros, porém, e mais sérios. Alguns ocorrem sozinhos, outros também aumentam o tamanho do arquivo.

As categorias gerais dos problemas mais comuns são:

  1. PDFs mal formados: o formato PDF é bastante complexo; não é tão raro encontrar arquivos com problemas exóticos, que não foram corretamente formados e podem inclusive ser recusados por completo. Geralmente há como tratar deles, mas pode ser preciso usar técnicas semi-artesanais.
  2. Imagens de baixa qualidade: qualquer imagem pode ser integrada a um PDF, mas nem toda imagem é nítida a ponto de ser realmente útil. Algumas imagens são úteis, mas apresentam defeitos ou ineficiências de algum tipo.
  3. Arquivos PDF sem texto. Como o formato foi feito pensando em documentos em papel, é possível e relativamente frequente encontrar PDFs que a rigor não contém texto algum, cujo conteúdo é composto apenas por imagens (possivelmente de página inteira). São arquivos tecnicamente corretos, mas de utilidade muito limitada. Podem precisar ser processados via OCR e editados penosamente à mão para ser realmente úteis.
  4. Problemas técnicos menores, como por exemplo tamanhos de página fora do desejado. Podem ter solução plena ou de contorno simples, ou não.

Medidas preventivas

Existem cuidados simples que podem ajudar bastante a evitar problemas mais adiante com PDFs.

  • Crie o documento como PDF/A no momento mais inicial possível do ciclo de vida do documento, e mantenha-o como tal até o fim.
  • Certifique-se de que todas as imagens sejam nítidas; tente trocá-las, melhorá-las ou substituí-las se praticável e necessário.
  • Compare os resultados obtidos com vários softwares e configurações diferentes. Pode haver variações significativas.
  • Identifique softwares e configurações que se mostrem problemáticos com alguma regularidade, e procure por alternativas melhores.

Rotina recomendada

Em situações em que a preocupação maior seja de simplesmente garantir tamanhos administráveis de arquivo, muitas vezes o mais prático é simplesmente usar programas como o PDF Split & Merge ("PDFSAM") para dividir o arquivo em arquivos menores.

Pode acontecer de em certos arquivos até mesmo as páginas individuais se mostrem problemáticas.

Nesses casos, pessoalmente gosto de tentar "reimprimir" com o PDF reDirect.

Se o PDF reDirect também não se mostrar suficiente, pode ser necessário abrir o PDF para no LibreOffice Draw, que permite tratar de cada página individual e exportar depois para PDF novamente (inclusive no subformato PDF/A). No LibreOffice Draw é possível e fácil, embora trabalhoso, substituir páginas inteiras por imagens trabalhadas para apresentar a mesma informação de forma mais nítida.

Friday, May 29, 2020

Trecho de livro de Daniel Dennett, propondo as Regras de Rapoport

Tradução por Luis Dantas

DANIEL C. DENNETT

Bombas de Intuição e Outras Ferramentas Para o Pensamento

3. As Regras de Rapoport

O quanto cabe ser generoso ao criticar as opiniões de um oponente? Se há contradições evidentes na perspectiva do oponente, é claro que você deve apontá-las, com determinação. Se há contradições em alguma medida ocultas, você deve expô-las cuidadosamente para análise - e então atacá-las. Mas a busca por contradições ocultas frequentemente cruza a linha e se torna implicância com detalhes menores, advocacia do mar (1) e - como vimos - paródia pura e simples. A emoção da caçada e a convicção de que seu oponente tem de estar protegendo uma fonte de confusão em algum lugar encorajam interpretações impiedosas, que fornecem alvos fáceis de atacar. Mas alvos tão fáceis normalmente são insignificantes para os assuntos verdadeiramente em questão, e acabam por desperdiçar o tempo e a paciência de todos os envolvidos, mesmo que possam trazer satisfação aos seus apoiadores. O melhor antídoto que conheço para esta tendência a caricaturar nossos oponentes é uma lista de regras promulgada anos atrás pelo psicólogo social e teorista de jogos Anatol Rapoport (criador da estratégia vencedora Olho Por Olho para o lendário torneio do Dilema do Prisioneiro de Robert Axelrod).(2)

Como compor um comentário crítico bem-sucedido:

1. Procure relatar a posição do seu alvo com tanta clareza, eloquência e justiça que seu alvo possa querer agradecer pela forma como o faz.

2. Relacione seus pontos de concordância (principalmente se não são assuntos de consenso geral ou amplo).

3. Mencione o que você possa ter aprendido do seu alvo.

4. Só então você deve se autorizar a dizer uma palavra que seja de refutação ou crítica.

Um efeito imediato de seguir essas regras é tornar seus alvos mais receptivos às suas críticas; você já mostrou que entende bem suas posições, e mostrou bom discernimento (ao concordar com eles em assuntos importantes e até mesmo ser convencido por algo que disseram).(3)

Para mim pelo menos, seguir as regras de Rapoport é sempre um tanto difícil. Alguns alvos, francamente, não merecem tanta atenção respeitosa, e - admito - a sensação de alfinetar e devastá-los pode ser magnífica. Mas quando essa atenção é merecida e bem-sucedida, os resultados são gratificantes. Fui particularmente dedicado em minha tentativa de ser justo com a variedade de incompatibilismo (uma opinião sobre Livre Arbítrio da qual discordo profundamente) de Robert Kane (1996) em meu livro Freedom Evolves (2003), e valorizo a resposta que ele me escreveu depois que lhe mandei o esboço do capítulo:

...de fato, gosto bastante (do capítulo), a despeito de nossas divergências. O tratamento da minha perspectiva é extenso e de forma geral justo, bem mais do que normalmente se consegue de nossos críticos. Você explica a complexidade de minha perspectiva e a seriedade de meus esforços para lidar com questões difíceis, sem simplesmente varrê-los para baixo do tapete. E por isso, bem como pelo tratamento extenso, sou grato.

Outros que receberam minha atenção motivada pelas regras de Rapoport foram menos cordiais. Quanto mais justa a crítica é, mais difícil pode ser recebê-la. Vale a pena se lembrar de que uma tentativa heróica de encontrar uma interpretação defensável de um autor, se vier a fracassar, pode ser ainda mais devastadora do que um ataque direto e furioso. Recomendo.


1 A Lei Marítima é famora por sua complexidade, repleta de armadilhas ocultas e cláusulas de exceção que apenas um especialista, um advogado marítimo, consegue acompanhar. Portanto, advocacia marítima é usar detalhes técnicos para evitar responsabilidades ou atribuir culpas para outros.

2 O Torneio Axelrod (Axelrod and Hamilton, 1981; Axelrod, 1984) criou um campo fértil de pesquisa teórica sobre a evolução do altruísmo. Faço um relato introdutório em A Perigosa Ideia de Darwin (Dennett, 1995, pp. 479-480), e em tempos mais recentes houve uma explosão de variações, tanto na forma de simulações quanto na de experimentos, em laboratórios de todo o mundo. A implementação maravilhosamente simples de Rapoport para a ideia de que "não vou te agredir se você não me agredir" é a semente de onde todos os estudos e modelos posteriores vieram.

3 A formulação das Regras de Rapoport que apresento aqui é minha, feita de memória a partir de correspondência com Rapoport muitos anos atrás e aparentemente perdida desde então. Samuel Ruth recentemente me observou que a fonte original das Regras de Rapoport está em seu livro Fights, Games, and Debates (1960) e seu artigo "Três Modos de Conflito" (1961), que articula a regra 1, atribuindo-a a Carl Rogers, e variações das demais regras. Minha versão é um tanto mais portátil e versátil.


DANIEL C. DENNETT

INTUITION PUMPS AND OTHER TOOLS FOR THINKING

3. RAPOPORT’S RULES

Just how charitable are you supposed to be when criticizing the views of an opponent? If there are obvious contradictions in the opponent’s case, then of course you should point them out, forcefully. If there are somewhat hidden contradictions, you should carefully expose them to view—and then dump on them. But the search for hidden contradictions often crosses the line into nitpicking, sea-lawyering,(1) and — as we have seen - outright parody. The thrill of the chase and the conviction that your opponent has to be harboring a confusion somewhere encourages uncharitable interpretation, which gives you an easy target to attack. But such easy targets are typically irrelevant to the real issues at stake and simply waste everybody's time and patience, even if they give amusement to your supporters. The best antidote I know for this tendency to caricature one’s opponent is a list of rules promulgated many years ago by the social psychologist and game theorist Anatol Rapoport (creator of the winning Tit-for-Tat strategy in Robert Axelrod’s legendary prisoner's dilemma tournament).(2)

How to compose a successful critical commentary:

1. You should attempt to re-express your target’s position so clearly, vividly, and fairly that your target says, “Thanks, I wish I’d thought of putting it that way.”

2. You should list any points of agreement (especially if they are not matters of general or widespread agreement).

3. You should mention anything you have learned from your target.

4. Only then are you permitted to say so much as a word of rebuttal or criticism.

One immediate effect of following these rules is that your targets will be a receptive audience for your criticism: you have already shown that you understand their positions as well as they do, and have demonstrated good judgment (you agree with them on some important matters and have even been persuaded by something they said).(3)

Following Rapoport’s Rules is always, for me at least, something of a struggle. Some targets, quite frankly, don’t deserve such respectful attention, and - I admit it - can be sheer joy to skewer and roast them. But when it is called for, and it works, the results are gratifying. I was particularly diligent in my attempt to do justice to Robert Kane’s (1996) brand of incompatibilism (a view about free will with which I profoundly disagree) in my book Freedom Evolves (2003), and I treasure the response he wrote to me after I had sent him the draft chapter:

...In fact, I like it a lot, our differences notwithstanding. The treatment of my view is extensive and generally fair, far more so than one usually gets from critics. You convey the complexity of my view and the seriousness of my efforts to address difficult questions rather than merely sweeping them under the rug. And for this, as well as the extended treatment, I am grateful.

Other recipients of my Rapoport-driven attention have been less cordial. The fairer the criticism seems, the harder to bear in some cases. It is worth reminding yourself that a heroic attempt to find a defensible interpretation of an author, if it comes up empty, can be even more devastating than an angry hatchet job. I recommend it.


1 Maritime law is notoriously complicated, strewn with hidden traps and escape clauses that only an expert, a sea lawyer, can keep track of, so sea-lawyering is using technicalities to evade responsibility or assign blame to others.

2 The Axelrod tournament (Axelrod and Hamilton, 1981; Axelrod, 1984) opened up the blossoming field of theoretical research on the evolution of altruism. I give an introductory account in Darwin’s Dangerous Idea (Dennett, 1995, pp. 479-480), and in more recent times there has been an explosion of variations, both simulations and experiments, in laboratories around the world. Rapoport’s wonderfully simple implementation of the idea "I won't hit you if you don't hit me" is the seed from which all the later studies and models have grown.

3 The formulation of Rapoport’s Rules here is my own, done from memory of correspondence with Rapoport many years ago, now apparently lost. Samuel Ruth recently pointed out to me that the original source of Rapoport’s Rules is in his book Fights, Games, and Debates (1960) and his paper “Three Modes of Conflict” (1961), which articulates rule 1, attributing it to Carl Rogers, and variations on the rest of the rules. My version is somewhat more portable and versatile.

Wednesday, February 12, 2020

Por que não considero o Islã uma religião?

Porque aprendi a deixar de lado os preconceitos e me informar efetivamente a respeito dele.

Acontece que o Islã literalmente se proíbe de ser uma verdadeira religião. Religiões deveriam pelo menos se permitir o espaço necessário para aprender a reconhecer as mudanças sociais e se adequar a elas. O espaço adequado para ouvir as vozes mais sábias de seu próprio meio (e de fora) para rever a validade de seus pontos de doutrina e mudá-los quando conveniente ou necessário.

Principalmente, qualquer religião com um mínimo de respeito por si própria deveria ser capaz de reconhecer que o papel de uma religião verdadeira envolve conectar o absolutamente pessoal com o absolutamente geral, o concreto com o abstrato, a realidade áspera dos fatos com a natureza sublime dos ideais mais elevados.

O Islã literalmente não se permite tais recursos, que são essenciais para que possamos falar em verdadeira religião ou prática religiosa.

E é por isso que sua dialética é tão pobre, a ponto de causar comoção. O Islã, como qualquer outra doutrina, tem um percentual considerável de pessoas de boa fé e bom discernimento. E acaba por perdê-las continuamente, porque essas virtudes as levam eventualmente a aceitar a necessidade de se distanciar da doutrina teocêntrica e inconsequente que o Islã se obriga a ser.

O Islã não é uma religião, não tem uma compreensão mínima do que seria uma religião, e não sabe sequer respeitar o conceito de divindade ou a função básica da religiosidade de orientar a relação com a percepção do sagrado... exatamente porque está tão ocupado em exacerbar a sua peculiar idolatria do próprio conceito de divindade para aprender religiosidade funcional.

É uma doutrina influente, mas completamente desvirtuada, que sequer compreende o que seria teísmo saudável, o que seria religião, ou até mesmo o que seriam valores humanos básicos.

Nenhum de nós deve cometer o sério erro que seria estender a ele a consideração básica que uma prática religiosa merece.

Monday, February 10, 2020

O que Irshad Manji pode nos ensinar sobre o Islã, seu papel, sua relação com a religiosidade e seus possíveis futuros.

Recentemente tive a grande satisfação de descobrir uma entrevista de Ishrad Manji ao Al-Jazeera.

Me tornei fã da autora quase imediatamente, e desejo sinceramente sucesso aos seus projetos, embora discorde dela em alguns pontos significativos. Podemos aprender muito sobre o que o Islã é pela percepção da platéia a partir das reações às ideias e colocações da autora.

Em certo ponto, o entrevistador chega a acusar Ishrad Manji de estar propondo uma versão "faça você mesmo" do Islã. Em outros, pergunta por que ela não prefere confiar nos "especialistas" em questões de religião.

São situações deveras reveladoras, que mostram bem o quanto é difícil explicar o papel de uma religião para quem cresceu em um ambiente muçulmano.

Friday, January 17, 2020

Street Epistemology ("Epistemologia de Rua") - O que é, para que serve?

Epistemologia de Rua é uma técnica relativamente aberta que tem sido divulgada em anos recentes no meio cético, com resultados bastante positivos, para encorajar de forma não tão confrontacional o questionamento em adeptos de várias crenças.

Ainda é muito pouco conhecida, mas fornece meios para um diálogo respeitoso entre crentes e descrentes, ao mesmo tempo que sinaliza para melhor qualidade de crença (ou descrença) para os que a encontram.

O guia "oficial" em inglês pode ser encontrado em https://streetepistemology.com/publications/the_complete_se_guide ; as linhas gerais são explicadas em https://streetepistemology.com/publications/street_epistemology_the_basics .

Não tenho notícia de haver versões em português, mas talvez eu me decida a mudar essa situação.

Funções da prática religiosa - #1: Zelar pelo pós-vida

Do que trata esta série?

Nesta série de postagens, pretendo examinar separadamente algumas perspectivas frequentes a respeito do que viria a ser religiosidade e sua expressão.

Por que estou examinando perspectivas distintas sobre religiosidade?

Porque sou um ateu que considera a religiosidade algo importante demais para ser deixado por conta apenas dos teístas.

Mas também e principalmente porque considero o assunto importante e ainda assim perigosamente negligenciado. A variedade de perspectivas é grande, mas insuficientemente discutida ou mesmo reconhecida.

Uma atividade que lida tão diretamente com as motivações, valores, dores e esperanças da humanidade merece muito mais atenção e muito mais clareza de análise do que a religiosidade tem recebido de uma forma geral.

Os motivos por que essa situação está estabelecida são outro assunto que merece atenção. Posso vir a tratar dele em outras postagens futuras.

#1 - Religiosidade enquanto prática para garantir qualidade no pós-vida.

Descrições de outros autores

Bill Warner, que é crítico decidido do Islã, afirma que ainda assim pelo menos parte do Islã deve ser considerado como prática religiosa, e explica essa afirmação ao indicar que a finalidade desse aspecto do Islã seria "evitar o Inferno e alcançar o Paraíso".

Minha opinião sobre esta perspectiva

Esta não é uma perspectiva que eu vejo com simpatia. De fato, é uma que eu sequer considero legítima, ou digna de existir.

Na medida em que os valores e atitudes de pessoas reais podem de fato se beneficiar com esta preocupação, penso que resultados melhores e muito menos contaminados podem e devem ser buscados com narrativas mais racionais e menos supernaturalistas.

As armadilhas do apego ao pós-vida são muitas e bastante nocivas. Uma das mais fáceis de demonstrar é a sua afinidade com narrativas egoístas, desrespeitosas e anti-sociais: a partir do momento em que um grupo suficientemente coeso começa a cobrar uns dos outros uma atitude de "respeito" a uma narrativa específica de "conquista do paraíso", estabelece-se de imediato uma cultura de manipulação, intimidação e repressão. E como é impossível demonstrar evidências concretas do grau de validade dessa narrativa, ela se torna um dogma inquestionável para os que a apóiam, mesmo que passivamente.

Trata-se da receita clássica do terreno fértil para a corrupção.

Que alternativas devem ser consideradas?

Para quem vê apelo nesta perspectiva, pode ser bastante difícil encontrar um motivo para considerar outras, principalmente quando há encorajamento de família e amigos.

Ainda assim, considero necessário confrontar firmemente esta perspectiva e apresentar alternativas mais saudáveis a ela em cada oportunidade que se apresente.

Um caminho possível é certamente o de utilizar técnicas de epistemologia urbana para encorajar os afligidos a considerar quais motivos realmente tem para manter suas crenças. Preparando o terreno dessa forma pode vir a surgir brechas para propor atitudes menos especulativas e mais fundamentadas em fatos e eventos reais. Há bastante satisfação possível nessa mudança de atitude, inclusive a de estabelecimento de laços sociais e afetivos mais sólidos, mais livres de dogmatismo e a reserva emocional que vem com esse dogmatismo.

Thursday, January 16, 2020

Perspectivas sobre religiosidade, e por que elas são necessárias para "kuffar" como eu.

Contexto preliminar

Crenças e religiões. Um de meus assuntos favoritos, pois aparentemente eu não tenho tido suficiente oportunidade de convencer os outros de que estou inventando assuntos exóticos.

No entanto, quem está realmente inventando assuntos exóticos aqui? Afinal, exatamente por minha natureza de descrente na existência em divindades (e em supernaturalismo em geral) eu me vejo descomprometido por crenças exóticas como a de uma promessa de "vida após a morte", de algo que ninguém parece saber explicar mas chama mesmo assim de "livre-arbítrio", e de apego a contradições estilosas que quebram o gelo em encontros de igrejas.

Reconheço que há um apelo de "iniciados no hobby" nessas atitudes... mas por acaso é realmente isso o que deve ser considerado religiosidade, ou prática religiosa?

Me parece claro que não, não é esse o caso. De fato, não consigo ver essa insistência que alguns tem em afirmar que "é preciso crer" para ser religioso como algo muito próximo do que se costuma chamar de verdade.

Claro que "religião" e conceitos relacionados são sujeitos a interpretação - muito mais até do que se costuma admitir - mas para os fins deste artigo estou procurando me limitar às concepções de religiosidade que tem um valor prático. Não apenas porque eu valorizo os traços céticos e ateístas da minha perspectiva de vida, mas também e até mais ainda porque valorizo também os aspectos religiosos.


"Oi, o que te trouxe aqui?"

Existem muitos motivos diferentes para se procurar crenças e religiões. Eu definitivamente considero alguns desses motivos legítimos e construtivos, enquanto que outros não o são.

Existem momentos em que é importante deixar de lado os motivos exatos, mas em outros é igualmente importante trazê-los à tona e questionar sua validade.

Nesse particular me sinto enormemente frustrado com o que se entende normalmente por "religião" nesta cultura em que tive origem. Há tão pouca vontade de considerar os assuntos que realmente importam com a transparência que considero necessária! Fala-se tanto de "vida após a morte", de "certezas" exóticas e sem importância real, de "Deus Criador".

Quando me vejo imerso nessas narrativas, pode ser difícil manter minha paciência. Há momentos em que acho bem difícil conter a vontade de perguntar quando vamos parar de perder tempo e começar a falar de algum assunto que tenha importância.


Administrando diversidades, e por que Deus não é uma boa base para a prática religiosa

Qualquer pessoa que tenha procurado organizar uma equipe ou projeto sabe como é desafiador e frustrante lidar com grupos de pessoas que não tenham sido previamente selecionadas para minimizar desentendimentos e conflitos.

Grupos religiosos não são uma exceção, embora muitas vezes queiram tentar ser, com graus variados de honestidade e sucesso.

Um recurso frequente, mas bastante desaconselhável, que se usa para reduzir esse desafio é a confusão deliberada entre a crença em uma divindade e o interesse em participar da proposta do grupo.

De um ponto de vista antropológico, é um fenômeno interessante. A tendência natural das pessoas é buscar afinidades, formar grupos e tentar cooperar. Ao se apresentar algo tão indefinível quanto a "crença em Deus" como sendo de alguma forma equivalente a essa tendência, muitos grupos que se apresentam como religiosos causam bastante confusão e dano.

O que é uma crença, afinal, e que importância ela tem ou deve ter?

Poucos meses atrás eu estava em um fórum, participando de um tópico criado por um católico. A certa altura perguntei o que deveria fazer um membro de paróquia que eventualmente descobrisse que não acredita que a hóstia utilizada na Comunhão se transforma no Corpo de Cristo.

Trata-se de um dogma católico bem documentado e razoavelmente fácil de explicar, este da Transubstanciação. Mas até que ponto ele é importante, e até que ponto deveria ser percebido como importante?

A verdade é que simplesmente não é comum, nem muito bem visto, insistir em deixar claras as crenças exatas. E penso que de fato não se deve dar importância a esse tipo de divergência de crenças. Não faz o menor sentido insistir em que todos os membros de um grupo que está em harmonia em outros aspectos devam valorizar algo tão sem consequência quanto a "controvérsia" entre transubstanciação e consubstanciação (e a terceira alternativa, a crença de que hóstia e vinho são apenas hóstia e vinho).

Não se tem realmente tanto controle assim sobre as crenças sinceras das pessoas, nem seria bom tê-lo. E em qualquer caso, isso seria apenas uma distração dos assuntos produtivos que um grupo religioso pode vir a ter.

Tuesday, November 13, 2018

(Tradução de Artigo do Aeon) Can relationship anarchy create a world without heartbreak?

(Tradução inicial automática via Google Translate. O texto pode ter sido revisado manualmente após a tradução automática. Original em https://aeon.co/ideas/can-relationship-anarchy-create-a-world-without-heartbreak)

Você consegue imaginar um mundo sem mágoa? Não sem tristeza, desapontamento ou arrependimento - mas um mundo sem a aflição do amor perdido, ardente e que tudo consome. Um mundo sem mágoas é também um mundo onde os atos simples não podem ser transformados, como que por feitiçaria, em momentos de significância sublime. Porque um mundo sem coração partido é um mundo sem amor - não é?

Mais precisamente, pode ser um mundo sem a forma mais adulada do amor: o amor romântico. Para muitas pessoas, o amor romântico é o ápice da experiência humana. Mas sentimentos não existem em um vazio cultural. O tipo de amor do coração partido é uma experiência relativamente nova e culturalmente específica, mascarada como o sentido universal da vida.

Na cultura ocidental, o amor romântico hegemônico é marcado pelo que a psicóloga americana Dorothy Tennov, em 1979, chamou de "paixão" romântica e sexual, que idealmente evolui para uma parceria monogâmica e, muitas vezes, para o casamento. Assim, em culturas cada vez mais seculares, não espirituais e atomizadas, o amor romântico torna-se deificado.

Estar apaixonado, segundo os cientistas, tem uma base biológica, mas a forma como experimentamos isso não é inevitável. Durante grande parte da história humana, o que hoje chamamos amor romântico teria sido chamado de doença; o casamento era sobre ativos e reprodução.

A Revolução Industrial mudou as coisas. Novas realidades econômicas e valores de iluminação sobre a felicidade individual significavam que o amor romântico importava. Enquanto o casamento permaneceu - e permanece - intimamente ligado ao controle patriarcal, alcançou uma nova qualidade. Realização emocional, intelectual e sexual ao longo da vida - e monogamia para os homens, não só para as mulheres - tornou-se o ideal. Desde então, esse tipo de relacionamento foi propagado pela cultura capitalista.

O fato de que o desgosto está ligado a esta recente história romântica é improvável que seja muito conforto para aqueles em desespero. O fato de as emoções serem refratadas pela cultura provavelmente não reduzirá sua potência.

Há pouco além do amor romântico que muitos irão perseguir tão obstinadamente, sabendo que é provável que resulte em agonia. Seja por meio de conflito, traição ou separação, é quase certo que o amor acabe em desgosto. Mesmo em parcerias bem-sucedidas, alguém acabará morrendo. Não é de admirar que o desgosto seja prontamente aceito como o preço do amor romântico; Somos socializados para acreditar que esse tipo de relação é nossa razão de ser.

Mas desgosto não é o único problema com nossos roteiros românticos. O amor romântico convencional está enraizado em estruturas opressivas. Os encargos do trabalho emocional e doméstico ainda caem desproporcionalmente sobre as mulheres. Os casais heterossexuais, brancos, sem deficiência, cis, monogâmicos, magros e heterossexuais (idealmente casados ​​e com filhos) são considerados o ideal amoroso, com pessoas que não se encaixam nesse molde muitas vezes discriminadas. Aqueles que não têm parcerias românticas ou sexuais, seja por escolha ou não, podem se sentir alienados e sozinhos, apesar de terem outros relacionamentos significativos.

Mesmo se pudéssemos salvar o amor romântico de seus piores companheiros - por exemplo, se eliminássemos seu heterossexismo - o fato permanece: é provável que acabe em lágrimas, até mesmo doença mental ou física. Pior ainda, as percepções do amor romântico como avassalador significam que ele é usado para explicar a violência.

E se houvesse uma maneira de colher as profundezas e alturas do amor sem o desgosto?

O amor romântico tem o potencial de causar agonia, porque damos a essas uniões um imenso peso sobre os outros. Nessa cultura de amor, as parcerias românticas e sexuais são elevadas a tal ponto que "relação" é geralmente uma abreviatura de romântico. E quanto a todos os outros relacionamentos que podemos ter em nossas vidas?

O conceito de "anarquia de relacionamento", cunhado em 2006 pelo feminista sueco e cientista da computação Andie Nordgren, propõe que a forma como construímos, conduzimos e priorizamos nossos relacionamentos deve ser nossa. Não é uma filosofia libertária “livre para todos”, mas uma com empatia, comunicação e consentimento em seu coração. É distinto de não-monogamia ou poliamor; pode ou não conter elementos de ambos. Ao questionar “maneiras comuns” de fazer relacionamentos, as pessoas podem criar laços de acordo com suas crenças, necessidades e desejos. Crucialmente, a anarquia de relacionamento significa que o amor romântico tradicional não é automaticamente colocado no topo de uma hierarquia de relacionamentos "menos".

Embora o conceito de "anarquia" seja radical, uma pessoa guiada por essa abordagem pode ter uma vida surpreendentemente comum. Para alguns, isso poderia significar simplesmente olhar de novo para um casamento acalentado e decidir que a vida seria mais rica se as amizades fossem igualmente cultivadas. Ou perceber que "o amor da sua vida" ainda não foi encontrado, mas na verdade já está lá, esperando para ser promovido, em você ou na sua comunidade.

Para outros, engajar-se na anarquia do relacionamento pode significar fazer e refazer os relacionamentos de uma vida a partir do zero. Por exemplo, libertando-se da noção de que uma parceria romântica deve seguir um caminho predeterminado e, em vez disso, negociar relacionamentos múltiplos, amorosos, eticamente não monogâmicos, que possam fluir ao longo do tempo. Isso poderia significar decidir criar filhos dentro de um relacionamento platônico, emocionalmente íntimo entre três pessoas, e ter conexões sexuais fora disso - ou absolutamente nenhuma.

Assim, a ideia de que todos são únicos se amplia e, quando todo relacionamento é único, as possibilidades são infinitas. Uma vez que nos permitimos questionar o amor, parece não apenas ridículo, mas autoritário que a arena infinitamente complexa das relações humanas seja adequada a uma abordagem do tipo "tamanho único".

Cardápio de Anarquia de Relacionamentos

Para formar seus relacionamentos você e outra pessoa podem escolher qualquer número de "itens" de qualquer número de bandejas. Pode ser uma porção generosa, ou apenas uma degustação leve. O prato que vocês dois (ou mais pessoas) montam é o seu relacionamento.

Lembrem-se de que vocês precisam estar de acordo quanto aos ingredientes! Nada de contrabandear itens para dentro sem o conhecimento do outro. Do contrário, quase certamente haverá conflito ou desapontamento mais adiante.

Além disso, como é o seu prato, se vocês decidirem mais adiante que querem mudar a composição, isso é completamente válido.

 
 

Romântica

Reações químicas, Sentimentos de amor.

 

Amizade

Companheirismo, Brincadeiras, Atividades e interesses partilhados.

 

Doméstico

Partilhando uma residência ou lar.

 

Sexual

Envolvendo genitais, contato físico íntimo, orgasmos?

 
 
 

Toque Físico

Dança, Sexo, Contato corporal, Afagos, Abraços, Acolhida, Mãos dadas, Massagem.

 

Parceiros para a vida toda

Partilham objetivos (de longo prazo ou para a vida toda), apóiam-se mutuamente diante de mudanças significativas.

 

Cuidador

Presta cuidados a, Recebe cuidados de.

 

Co-cuidadores

Crianças, Animais, Plantas, Família (doentes, idosos, necessidades especiais).

 
 
 

Intimidade Emocional

Partilha e Exposição de Vulnerabilidades.

 

Apoio Emocional

Presta atenção, Recebe pedidos de conselhos, Ouve confidências.

 

Colegas Sociais

Vistos juntos: Eventos, Amigos, Família, Trabalho, Mídias Sociais.

 

Financeiro

Partilhando: dinheiro, contas, responsabilidades financeiras, propriedades.

 
 
 

"Kink"

Sadomasoquismo, Masoquismo, Sadismo

 

Dinâmica de Poder

Patrão/empregado, Professor/aluno, D/s, M/s, "Age play", "Pet play".

 

Parceiros Colaborativos

Ensino, Projetos, Arte, Organizações.

 

Colegas de Trabalho

Uma combinação de parcerias Colaborativas, Financeiras e Sociais.

 
 

(Traduzido e adaptado a partir da imagem do Reddit integrada ao texto original em inglês)

Não é difícil ver como a anarquia de relacionamento pode aliviar o desgosto. É amplamente aceito que ter bons amigos para voltar a cair ajuda a curar um coração partido. Mas na anarquia do relacionamento, os amigos são mais do que apólices de seguro. Nós não abandonaríamos os amigos enquanto "parássemos", apenas para pegá-los ao enviar convites de casamento, ou amamentar corações partidos. Em vez disso, honraríamos consistentemente todos os nossos valiosos títulos. Se concedêssemos nossos relacionamentos mais variados ao investimento que geralmente concedemos desproporcionalmente a uma pessoa, esses laços provavelmente se tornariam tão vitais para a saúde de nossos corações quanto qualquer parceiro sexual ou romântico.

Os anarquistas de relacionamento podem criar uma "vida de amor" que não depende de um parceiro romântico que seja "seu mundo", mas de uma tapeçaria de conexões profundas - seja platônico, romântico ou sexual. Como Nordgren escreve em seu manifesto, "o amor é abundante", não um "recurso ilimitado que só pode ser real se restrito a um casal". Redistribuir o amor não dilui o amor que sentimos por uma pessoa especial e querida. De fato, construir uma rede de conexões íntimas pode fortalecê-las - em parte porque fortalece nosso relacionamento conosco.

A anarquia do relacionamento não eliminará o desgosto - mas provavelmente não o quereríamos. Essa profundidade de sentimento é muitas vezes bonita e responsável por grande parte das artes. Como o amor em si, o coração partido escava as almas e dizima os egos, obrigando-nos a olhar para as nossas fendas mais profundas e a aprender coisas que de outra forma não poderíamos. No aperto aparentemente impiedoso do coração, temos uma rara oportunidade de renascimento.

Certamente, um mundo sem mágoas é um mundo sem o tipo de vulnerabilidade que nos faz saber que estamos vivos. Da mesma forma, ter consciência de como nos relacionamos com nós mesmos e com os outros - em vez de privilegiar automaticamente um tipo de relacionamento - pode nos capacitar a construir uma vida tão rica que não nos sentimos como se tivéssemos perdido tudo quando perdemos um amor entre muitos.Aeon counter – do not remove

Sophie Hemery

This article was originally published at Aeon and has been republished under Creative Commons.

Thursday, November 8, 2018

Um esboço da minha perspectiva sobre a natureza e a origem da Ética.

Um episódio recente de "The Good Place" enumerou (corretamente, até onde sei) os três grupos principais de modelos sobre a natureza e a origem da Ética.

Ética das Virtudes
Apresenta a Ética como a expressão de qualidades que chama de virtudes.
Consequencialismo
Se baseia na ideia de que o valor moral de uma ação é definido pelas suas consequências.
Deontologia
Acredita que as ações são inerentemente certas ou erradas - ou seja, entende que a ética é, em essência, a obediência às regras "corretas".

Meu entendimento é de que, dos três modelos, o Consequencialismo é claramente o que tem mais mérito, seguido de longe pela Ética das Virtudes, com a Deontologia definitivamente em último.

A grande fragilidade da Deontologia está em seu próprio conceito, e pode ser percebida através da análise franca de suas consequências lógicas. Pois se a Ética fosse obtida pelo mero seguimento de regras, ela seria, mesmo em condições ótimas, no máximo apenas tão boa quanto uma forma de obediência. Essa é uma visão por demais passiva de uma disciplina tão necessária. Passiva, e em última análise necessariamente incompleta.

O que nos leva ao Consequencialismo, que nos apresenta a Ética em sua forma mais realizada e mais nobre: como um desafio racional permanente, um mistério que se por um lado é solucionável, por outro lado se renova e se reapresenta constantemente.

Isso ocorre porque o modelo de ética do Consequencialismo, ao contrário da passividade rígida e estéril sugerida pela submissão a regras que a Deontologia espera, é um verdadeiro alvo móvel. Os limites da capacidade ética de um agente são definidos pela sua própria capacidade de análise e raciocínio, e cada nova realização moral amplia essas fronteiras, impondo desafios éticos ainda mais amplos, mais ambiciosos, mais complexos. Bastante cedo nesse caminho se percebe que uma das obrigações éticas básicas é a da aceitação da responsabilidade que nasce com a capacidade racional. A Ética é consequência necessária e inevitável do encontro da capacidade de ação com a capacidade de análise das consequências possíveis e prováveis. Quanto mais racional uma entidade, maior a sua obrigação ética e maior o seu poder de análise ética.

A Ética das Virtudes, em contraste com os outros dois modelos, não deixa de ser o seu lugar. Entendo porém que esse lugar não é o de alternativa aos outros dois, mas de forma de expressão das diretrizes consequencialistas. É, por assim dizer, uma técnica. Uma técnica que, com os devidos cuidados e verificações, pode ser bastante útil para a expressão e desenvolvimento dos valores da Ética consequencialista.