Tradução por Luis Dantas
DANIEL C. DENNETT
Bombas de Intuição e Outras Ferramentas Para o Pensamento
3. As Regras de Rapoport
O quanto cabe ser generoso ao criticar as opiniões de um oponente? Se há contradições evidentes na perspectiva do oponente, é claro que você deve apontá-las, com determinação. Se há contradições em alguma medida ocultas, você deve expô-las cuidadosamente para análise - e então atacá-las. Mas a busca por contradições ocultas frequentemente cruza a linha e se torna implicância com detalhes menores, advocacia do mar (1) e - como vimos - paródia pura e simples. A emoção da caçada e a convicção de que seu oponente tem de estar protegendo uma fonte de confusão em algum lugar encorajam interpretações impiedosas, que fornecem alvos fáceis de atacar. Mas alvos tão fáceis normalmente são insignificantes para os assuntos verdadeiramente em questão, e acabam por desperdiçar o tempo e a paciência de todos os envolvidos, mesmo que possam trazer satisfação aos seus apoiadores. O melhor antídoto que conheço para esta tendência a caricaturar nossos oponentes é uma lista de regras promulgada anos atrás pelo psicólogo social e teorista de jogos Anatol Rapoport (criador da estratégia vencedora Olho Por Olho para o lendário torneio do Dilema do Prisioneiro de Robert Axelrod).(2)
Como compor um comentário crítico bem-sucedido:
1. Procure relatar a posição do seu alvo com tanta clareza, eloquência e justiça que seu alvo possa querer agradecer pela forma como o faz.
2. Relacione seus pontos de concordância (principalmente se não são assuntos de consenso geral ou amplo).
3. Mencione o que você possa ter aprendido do seu alvo.
4. Só então você deve se autorizar a dizer uma palavra que seja de refutação ou crítica.
Um efeito imediato de seguir essas regras é tornar seus alvos mais receptivos às suas críticas; você já mostrou que entende bem suas posições, e mostrou bom discernimento (ao concordar com eles em assuntos importantes e até mesmo ser convencido por algo que disseram).(3)
Para mim pelo menos, seguir as regras de Rapoport é sempre um tanto difícil. Alguns alvos, francamente, não merecem tanta atenção respeitosa, e - admito - a sensação de alfinetar e devastá-los pode ser magnífica. Mas quando essa atenção é merecida e bem-sucedida, os resultados são gratificantes. Fui particularmente dedicado em minha tentativa de ser justo com a variedade de incompatibilismo (uma opinião sobre Livre Arbítrio da qual discordo profundamente) de Robert Kane (1996) em meu livro Freedom Evolves (2003), e valorizo a resposta que ele me escreveu depois que lhe mandei o esboço do capítulo:
...de fato, gosto bastante (do capítulo), a despeito de nossas divergências. O tratamento da minha perspectiva é extenso e de forma geral justo, bem mais do que normalmente se consegue de nossos críticos. Você explica a complexidade de minha perspectiva e a seriedade de meus esforços para lidar com questões difíceis, sem simplesmente varrê-los para baixo do tapete. E por isso, bem como pelo tratamento extenso, sou grato.
Outros que receberam minha atenção motivada pelas regras de Rapoport foram menos cordiais. Quanto mais justa a crítica é, mais difícil pode ser recebê-la. Vale a pena se lembrar de que uma tentativa heróica de encontrar uma interpretação defensável de um autor, se vier a fracassar, pode ser ainda mais devastadora do que um ataque direto e furioso. Recomendo.
1 A Lei Marítima é famora por sua complexidade, repleta de armadilhas ocultas e cláusulas de exceção que apenas um especialista, um advogado marítimo, consegue acompanhar. Portanto, advocacia marítima é usar detalhes técnicos para evitar responsabilidades ou atribuir culpas para outros.
2 O Torneio Axelrod (Axelrod and Hamilton, 1981; Axelrod, 1984) criou um campo fértil de pesquisa teórica sobre a evolução do altruísmo. Faço um relato introdutório em A Perigosa Ideia de Darwin (Dennett, 1995, pp. 479-480), e em tempos mais recentes houve uma explosão de variações, tanto na forma de simulações quanto na de experimentos, em laboratórios de todo o mundo. A implementação maravilhosamente simples de Rapoport para a ideia de que "não vou te agredir se você não me agredir" é a semente de onde todos os estudos e modelos posteriores vieram.
3 A formulação das Regras de Rapoport que apresento aqui é minha, feita de memória a partir de correspondência com Rapoport muitos anos atrás e aparentemente perdida desde então. Samuel Ruth recentemente me observou que a fonte original das Regras de Rapoport está em seu livro Fights, Games, and Debates (1960) e seu artigo "Três Modos de Conflito" (1961), que articula a regra 1, atribuindo-a a Carl Rogers, e variações das demais regras. Minha versão é um tanto mais portátil e versátil.
DANIEL C. DENNETT
INTUITION PUMPS AND OTHER TOOLS FOR THINKING
3. RAPOPORT’S RULES
Just how charitable are you supposed to be when criticizing the views of an opponent? If there are obvious contradictions in the opponent’s case, then of course you should point them out, forcefully. If there are somewhat hidden contradictions, you should carefully expose them to view—and then dump on them. But the search for hidden contradictions often crosses the line into nitpicking, sea-lawyering,(1) and — as we have seen - outright parody. The thrill of the chase and the conviction that your opponent has to be harboring a confusion somewhere encourages uncharitable interpretation, which gives you an easy target to attack. But such easy targets are typically irrelevant to the real issues at stake and simply waste everybody's time and patience, even if they give amusement to your supporters. The best antidote I know for this tendency to caricature one’s opponent is a list of rules promulgated many years ago by the social psychologist and game theorist Anatol Rapoport (creator of the winning Tit-for-Tat strategy in Robert Axelrod’s legendary prisoner's dilemma tournament).(2)
How to compose a successful critical commentary:
1. You should attempt to re-express your target’s position so clearly, vividly, and fairly that your target says, “Thanks, I wish I’d thought of putting it that way.”
2. You should list any points of agreement (especially if they are not matters of general or widespread agreement).
3. You should mention anything you have learned from your target.
4. Only then are you permitted to say so much as a word of rebuttal or criticism.
One immediate effect of following these rules is that your targets will be a receptive audience for your criticism: you have already shown that you understand their positions as well as they do, and have demonstrated good judgment (you agree with them on some important matters and have even been persuaded by something they said).(3)
Following Rapoport’s Rules is always, for me at least, something of a struggle. Some targets, quite frankly, don’t deserve such respectful attention, and - I admit it - can be sheer joy to skewer and roast them. But when it is called for, and it works, the results are gratifying. I was particularly diligent in my attempt to do justice to Robert Kane’s (1996) brand of incompatibilism (a view about free will with which I profoundly disagree) in my book Freedom Evolves (2003), and I treasure the response he wrote to me after I had sent him the draft chapter:
...In fact, I like it a lot, our differences notwithstanding. The treatment of my view is extensive and generally fair, far more so than one usually gets from critics. You convey the complexity of my view and the seriousness of my efforts to address difficult questions rather than merely sweeping them under the rug. And for this, as well as the extended treatment, I am grateful.
Other recipients of my Rapoport-driven attention have been less cordial. The fairer the criticism seems, the harder to bear in some cases. It is worth reminding yourself that a heroic attempt to find a defensible interpretation of an author, if it comes up empty, can be even more devastating than an angry hatchet job. I recommend it.
1 Maritime law is notoriously complicated, strewn with hidden traps and escape clauses that only an expert, a sea lawyer, can keep track of, so sea-lawyering is using technicalities to evade responsibility or assign blame to others.
2 The Axelrod tournament (Axelrod and Hamilton, 1981; Axelrod, 1984) opened up the blossoming field of theoretical research on the evolution of altruism. I give an introductory account in Darwin’s Dangerous Idea (Dennett, 1995, pp. 479-480), and in more recent times there has been an explosion of variations, both simulations and experiments, in laboratories around the world. Rapoport’s wonderfully simple implementation of the idea "I won't hit you if you don't hit me" is the seed from which all the later studies and models have grown.
3 The formulation of Rapoport’s Rules here is my own, done from memory of correspondence with Rapoport many years ago, now apparently lost. Samuel Ruth recently pointed out to me that the original source of Rapoport’s Rules is in his book Fights, Games, and Debates (1960) and his paper “Three Modes of Conflict” (1961), which articulates rule 1, attributing it to Carl Rogers, and variations on the rest of the rules. My version is somewhat more portable and versatile.