Mais de quinze anos atrás houve uma minissérie de dezesseis episódios chamada "Presença de Anita" que foi muito comentada. Não a assisti na ocasião, mas agora acabei de terminar a metade e decidi registrar algumas impressões. Pretendo fazer novas postagens uma vez tenha terminado a série e após terminar a leitura do livro que a inspirou.
Fiquei um tanto surpreso em saber que a série é de fato baseada em um livro de mesmo nome. Na época pensei que fosse uma adaptação livre do livro "Lolita" de Nabokov. Mas não; "Anita" não apenas é uma história distinta e até bastante diferente da de Nabokov, mas também foi publicada sete anos antes.
Em comum, as duas histórias tem o tema básico de um homem maduro que desenvolve atração e envolvimento perigosos por uma jovem muito mais nova. Mas além desse ponto são situações bastante diferentes. As idades das personagens-título são significativamente diferentes - o suficiente para mudar os temas levantados nas duas histórias. As circunstâncias às suas voltas também não são particularmente próximas, o que ajuda.
De qualquer forma, a Anita interpretada tão perfeitamente por uma até então desconhecida Mel Lisboa é suficientemente perturbadora em seus próprios termos, ainda que uma comparação direta com Lolita seja descabida.
Nestes primeiros oito episódios que já vi, a história apresenta vários temas bem definidos e duas linhas narrativas principais.
Os temas principais, até o momento, são racismo; autoritarismo e hipocrisia; dinâmicas familiares difíceis e autoritárias; sexualidade reprimida e oculta; liberdade e manipulação; e, principalmente, doença mental (possivelmente distúrbio "borderline"). Ao fundo, uma conotação geral algo fantasmagórica, quase abertamente espírita até.
O livro original é de 1948, e talvez por isso há um toque algo anacrônico em algumas das caracterizações. A família da esposa do protagonista masculino é muito mais apegada a uma certa visão de valores tradicionais do que a época contemporânea nos levaria a crer. A relação de muitos personagens com seus próprios auxiliares é muito próxima da atitude de um senhor de engenho que se considera dono e benfeitor dos próprios escravos, o que fortalece a percepção geral de que muitos dos personagens estão perdidos em ilusões sem substância e fantasias perigosas.
No entanto, os personagens principais são de fato Fernando, o homem conflitado e fascinado, e Anita, a jovem impulsiva e perigosa que nunca deixa claro o quanto compreende dos perigos que corre e que causa. Nenhum dos dois é completamente responsável pelos próprios atos e ambos são perigosos, de maneiras bem diferentes entre si. Anita é basicamente insondável; sua única constante é a sexualidade desavergonhada e à flor da pele. Seus valores e até mesmo seus objetivos são obscuros e por vezes francamente contraditórios. Mais de uma vez Anita emite um julgamento de valor forte e decidido, apenas para mudar completamente de opinião menos de dois minutos depois. É uma interpretação forte e convincente, que não tem como não lembrar uma "borderline" cheia de hormônios procurando toda oportunidade possível para vivenciar sua sexualidade, mesmo que para isso precise agir de forma francamente insana.
Fernando, seu par, é um personagem muito mais fácil de entender, mas não necessariamente mais simpático. É exagero dizer que são um par romântico. A ligação dos dois é muito mais visceral do que romântica, e de fato pouco respeito há entre os dois. Mesmo Anita parece ter muita dificuldade em decidir se quer manter distância de Fernando ou se tornar parte integral de sua vida. E talvez essa seja a tônica real da atração que partilham: os dois são tão completamente autênticos um com o outro que deixam de lado não apenas a coerência moral como também a coerência lógica. Um inspira e autoriza no outro, de forma recíproca, a liberdade radical que é viver o momento de forma completamente pura, sem preocupação de causar boa impressão ou de sinalizar o que se espera para o futuro. Eles não são um casal apaixonado, e sim um casal em espasmos desesperados de autenticidade destrutiva, criando situações cada vez mais precárias para si próprios e pondo em risco tudo e todos com quem se importam, a começar por si próprios.
Não sou especialista no assunto, mas me pareceu uma boa história de alerta sobre o quadro borderline.
Até outra hora, com minha análise da série como um todo.
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