Friday, January 17, 2020

Street Epistemology ("Epistemologia de Rua") - O que é, para que serve?

Epistemologia de Rua é uma técnica relativamente aberta que tem sido divulgada em anos recentes no meio cético, com resultados bastante positivos, para encorajar de forma não tão confrontacional o questionamento em adeptos de várias crenças.

Ainda é muito pouco conhecida, mas fornece meios para um diálogo respeitoso entre crentes e descrentes, ao mesmo tempo que sinaliza para melhor qualidade de crença (ou descrença) para os que a encontram.

O guia "oficial" em inglês pode ser encontrado em https://streetepistemology.com/publications/the_complete_se_guide ; as linhas gerais são explicadas em https://streetepistemology.com/publications/street_epistemology_the_basics .

Não tenho notícia de haver versões em português, mas talvez eu me decida a mudar essa situação.

Funções da prática religiosa - #1: Zelar pelo pós-vida

Do que trata esta série?

Nesta série de postagens, pretendo examinar separadamente algumas perspectivas frequentes a respeito do que viria a ser religiosidade e sua expressão.

Por que estou examinando perspectivas distintas sobre religiosidade?

Porque sou um ateu que considera a religiosidade algo importante demais para ser deixado por conta apenas dos teístas.

Mas também e principalmente porque considero o assunto importante e ainda assim perigosamente negligenciado. A variedade de perspectivas é grande, mas insuficientemente discutida ou mesmo reconhecida.

Uma atividade que lida tão diretamente com as motivações, valores, dores e esperanças da humanidade merece muito mais atenção e muito mais clareza de análise do que a religiosidade tem recebido de uma forma geral.

Os motivos por que essa situação está estabelecida são outro assunto que merece atenção. Posso vir a tratar dele em outras postagens futuras.

#1 - Religiosidade enquanto prática para garantir qualidade no pós-vida.

Descrições de outros autores

Bill Warner, que é crítico decidido do Islã, afirma que ainda assim pelo menos parte do Islã deve ser considerado como prática religiosa, e explica essa afirmação ao indicar que a finalidade desse aspecto do Islã seria "evitar o Inferno e alcançar o Paraíso".

Minha opinião sobre esta perspectiva

Esta não é uma perspectiva que eu vejo com simpatia. De fato, é uma que eu sequer considero legítima, ou digna de existir.

Na medida em que os valores e atitudes de pessoas reais podem de fato se beneficiar com esta preocupação, penso que resultados melhores e muito menos contaminados podem e devem ser buscados com narrativas mais racionais e menos supernaturalistas.

As armadilhas do apego ao pós-vida são muitas e bastante nocivas. Uma das mais fáceis de demonstrar é a sua afinidade com narrativas egoístas, desrespeitosas e anti-sociais: a partir do momento em que um grupo suficientemente coeso começa a cobrar uns dos outros uma atitude de "respeito" a uma narrativa específica de "conquista do paraíso", estabelece-se de imediato uma cultura de manipulação, intimidação e repressão. E como é impossível demonstrar evidências concretas do grau de validade dessa narrativa, ela se torna um dogma inquestionável para os que a apóiam, mesmo que passivamente.

Trata-se da receita clássica do terreno fértil para a corrupção.

Que alternativas devem ser consideradas?

Para quem vê apelo nesta perspectiva, pode ser bastante difícil encontrar um motivo para considerar outras, principalmente quando há encorajamento de família e amigos.

Ainda assim, considero necessário confrontar firmemente esta perspectiva e apresentar alternativas mais saudáveis a ela em cada oportunidade que se apresente.

Um caminho possível é certamente o de utilizar técnicas de epistemologia urbana para encorajar os afligidos a considerar quais motivos realmente tem para manter suas crenças. Preparando o terreno dessa forma pode vir a surgir brechas para propor atitudes menos especulativas e mais fundamentadas em fatos e eventos reais. Há bastante satisfação possível nessa mudança de atitude, inclusive a de estabelecimento de laços sociais e afetivos mais sólidos, mais livres de dogmatismo e a reserva emocional que vem com esse dogmatismo.

Thursday, January 16, 2020

Perspectivas sobre religiosidade, e por que elas são necessárias para "kuffar" como eu.

Contexto preliminar

Crenças e religiões. Um de meus assuntos favoritos, pois aparentemente eu não tenho tido suficiente oportunidade de convencer os outros de que estou inventando assuntos exóticos.

No entanto, quem está realmente inventando assuntos exóticos aqui? Afinal, exatamente por minha natureza de descrente na existência em divindades (e em supernaturalismo em geral) eu me vejo descomprometido por crenças exóticas como a de uma promessa de "vida após a morte", de algo que ninguém parece saber explicar mas chama mesmo assim de "livre-arbítrio", e de apego a contradições estilosas que quebram o gelo em encontros de igrejas.

Reconheço que há um apelo de "iniciados no hobby" nessas atitudes... mas por acaso é realmente isso o que deve ser considerado religiosidade, ou prática religiosa?

Me parece claro que não, não é esse o caso. De fato, não consigo ver essa insistência que alguns tem em afirmar que "é preciso crer" para ser religioso como algo muito próximo do que se costuma chamar de verdade.

Claro que "religião" e conceitos relacionados são sujeitos a interpretação - muito mais até do que se costuma admitir - mas para os fins deste artigo estou procurando me limitar às concepções de religiosidade que tem um valor prático. Não apenas porque eu valorizo os traços céticos e ateístas da minha perspectiva de vida, mas também e até mais ainda porque valorizo também os aspectos religiosos.


"Oi, o que te trouxe aqui?"

Existem muitos motivos diferentes para se procurar crenças e religiões. Eu definitivamente considero alguns desses motivos legítimos e construtivos, enquanto que outros não o são.

Existem momentos em que é importante deixar de lado os motivos exatos, mas em outros é igualmente importante trazê-los à tona e questionar sua validade.

Nesse particular me sinto enormemente frustrado com o que se entende normalmente por "religião" nesta cultura em que tive origem. Há tão pouca vontade de considerar os assuntos que realmente importam com a transparência que considero necessária! Fala-se tanto de "vida após a morte", de "certezas" exóticas e sem importância real, de "Deus Criador".

Quando me vejo imerso nessas narrativas, pode ser difícil manter minha paciência. Há momentos em que acho bem difícil conter a vontade de perguntar quando vamos parar de perder tempo e começar a falar de algum assunto que tenha importância.


Administrando diversidades, e por que Deus não é uma boa base para a prática religiosa

Qualquer pessoa que tenha procurado organizar uma equipe ou projeto sabe como é desafiador e frustrante lidar com grupos de pessoas que não tenham sido previamente selecionadas para minimizar desentendimentos e conflitos.

Grupos religiosos não são uma exceção, embora muitas vezes queiram tentar ser, com graus variados de honestidade e sucesso.

Um recurso frequente, mas bastante desaconselhável, que se usa para reduzir esse desafio é a confusão deliberada entre a crença em uma divindade e o interesse em participar da proposta do grupo.

De um ponto de vista antropológico, é um fenômeno interessante. A tendência natural das pessoas é buscar afinidades, formar grupos e tentar cooperar. Ao se apresentar algo tão indefinível quanto a "crença em Deus" como sendo de alguma forma equivalente a essa tendência, muitos grupos que se apresentam como religiosos causam bastante confusão e dano.

O que é uma crença, afinal, e que importância ela tem ou deve ter?

Poucos meses atrás eu estava em um fórum, participando de um tópico criado por um católico. A certa altura perguntei o que deveria fazer um membro de paróquia que eventualmente descobrisse que não acredita que a hóstia utilizada na Comunhão se transforma no Corpo de Cristo.

Trata-se de um dogma católico bem documentado e razoavelmente fácil de explicar, este da Transubstanciação. Mas até que ponto ele é importante, e até que ponto deveria ser percebido como importante?

A verdade é que simplesmente não é comum, nem muito bem visto, insistir em deixar claras as crenças exatas. E penso que de fato não se deve dar importância a esse tipo de divergência de crenças. Não faz o menor sentido insistir em que todos os membros de um grupo que está em harmonia em outros aspectos devam valorizar algo tão sem consequência quanto a "controvérsia" entre transubstanciação e consubstanciação (e a terceira alternativa, a crença de que hóstia e vinho são apenas hóstia e vinho).

Não se tem realmente tanto controle assim sobre as crenças sinceras das pessoas, nem seria bom tê-lo. E em qualquer caso, isso seria apenas uma distração dos assuntos produtivos que um grupo religioso pode vir a ter.