Contexto preliminar
Crenças e religiões. Um de meus assuntos favoritos, pois aparentemente eu não tenho tido suficiente oportunidade de convencer os outros de que estou inventando assuntos exóticos.
No entanto, quem está realmente inventando assuntos exóticos aqui? Afinal, exatamente por minha natureza de descrente na existência em divindades (e em supernaturalismo em geral) eu me vejo descomprometido por crenças exóticas como a de uma promessa de "vida após a morte", de algo que ninguém parece saber explicar mas chama mesmo assim de "livre-arbítrio", e de apego a contradições estilosas que quebram o gelo em encontros de igrejas.
Reconheço que há um apelo de "iniciados no hobby" nessas atitudes... mas por acaso é realmente isso o que deve ser considerado religiosidade, ou prática religiosa?
Me parece claro que não, não é esse o caso. De fato, não consigo ver essa insistência que alguns tem em afirmar que "é preciso crer" para ser religioso como algo muito próximo do que se costuma chamar de verdade.
Claro que "religião" e conceitos relacionados são sujeitos a interpretação - muito mais até do que se costuma admitir - mas para os fins deste artigo estou procurando me limitar às concepções de religiosidade que tem um valor prático. Não apenas porque eu valorizo os traços céticos e ateístas da minha perspectiva de vida, mas também e até mais ainda porque valorizo também os aspectos religiosos.
"Oi, o que te trouxe aqui?"
Existem muitos motivos diferentes para se procurar crenças e religiões. Eu definitivamente considero alguns desses motivos legítimos e construtivos, enquanto que outros não o são.
Existem momentos em que é importante deixar de lado os motivos exatos, mas em outros é igualmente importante trazê-los à tona e questionar sua validade.
Nesse particular me sinto enormemente frustrado com o que se entende normalmente por "religião" nesta cultura em que tive origem. Há tão pouca vontade de considerar os assuntos que realmente importam com a transparência que considero necessária! Fala-se tanto de "vida após a morte", de "certezas" exóticas e sem importância real, de "Deus Criador".
Quando me vejo imerso nessas narrativas, pode ser difícil manter minha paciência. Há momentos em que acho bem difícil conter a vontade de perguntar quando vamos parar de perder tempo e começar a falar de algum assunto que tenha importância.
Administrando diversidades, e por que Deus não é uma boa base para a prática religiosa
Qualquer pessoa que tenha procurado organizar uma equipe ou projeto sabe como é desafiador e frustrante lidar com grupos de pessoas que não tenham sido previamente selecionadas para minimizar desentendimentos e conflitos.
Grupos religiosos não são uma exceção, embora muitas vezes queiram tentar ser, com graus variados de honestidade e sucesso.
Um recurso frequente, mas bastante desaconselhável, que se usa para reduzir esse desafio é a confusão deliberada entre a crença em uma divindade e o interesse em participar da proposta do grupo.
De um ponto de vista antropológico, é um fenômeno interessante. A tendência natural das pessoas é buscar afinidades, formar grupos e tentar cooperar. Ao se apresentar algo tão indefinível quanto a "crença em Deus" como sendo de alguma forma equivalente a essa tendência, muitos grupos que se apresentam como religiosos causam bastante confusão e dano.
O que é uma crença, afinal, e que importância ela tem ou deve ter?
Poucos meses atrás eu estava em um fórum, participando de um tópico criado por um católico. A certa altura perguntei o que deveria fazer um membro de paróquia que eventualmente descobrisse que não acredita que a hóstia utilizada na Comunhão se transforma no Corpo de Cristo.
Trata-se de um dogma católico bem documentado e razoavelmente fácil de explicar, este da Transubstanciação. Mas até que ponto ele é importante, e até que ponto deveria ser percebido como importante?
A verdade é que simplesmente não é comum, nem muito bem visto, insistir em deixar claras as crenças exatas. E penso que de fato não se deve dar importância a esse tipo de divergência de crenças. Não faz o menor sentido insistir em que todos os membros de um grupo que está em harmonia em outros aspectos devam valorizar algo tão sem consequência quanto a "controvérsia" entre transubstanciação e consubstanciação (e a terceira alternativa, a crença de que hóstia e vinho são apenas hóstia e vinho).
Não se tem realmente tanto controle assim sobre as crenças sinceras das pessoas, nem seria bom tê-lo. E em qualquer caso, isso seria apenas uma distração dos assuntos produtivos que um grupo religioso pode vir a ter.